P. Élvio Nei Figur
Dentre os seguidores de Jesus, Pedro era um dos mais ‘matemáticos’. Ele era aquele que insistia nos detalhes. Assim, era de se esperar que o matemático Pedro procurasse uma fórmula para definir os ensinos de Jesus também quando o assunto era o perdão; “- Senhor, quantas vezes devo perdoar o meu irmão que peca contra mim? Sete vezes?” (Mt 18.21) - ele perguntou a Jesus pensando que seu cálculo estava sendo bem generoso, já que os rabinos aconselhavam que se perdoasse três vezes...
Robert F. Capon, sacerdote Episcopal, escreveu certa vez que, “se o mundo pudesse ter sido salvo por meio de uma boa contabilidade, teria sido salvo por Moisés, e não por Jesus”. Mas como Pedro queria números, Jesus os dá; “- Não! Você não deve perdoar sete vezes, mas setenta vezes sete” (Mt 18. 22).
Jesus não queria que Pedro fizesse o cálculo, mas que ele e os demais entendessem que o perdão não é um tipo de coisa que pode ser calculado matematicamente, pois nenhum número seria capaz de mostrar a grandeza do amor perdoador que deve ser encontrado no coração dos que crêem.
Mas a pergunta ‘matemática’ de Pedro, no mínimo, provocou outra das impressionantes histórias de Jesus. Desta vez o mestre fala a respeito de um servo que havia, não se sabe como, amontoado uma dívida de dez mil talentos. Na época a moeda chamada ‘Talento’ podia ser de ouro ou de prata. Estima-se que os dez mil talentos valeriam hoje, se fossem de prata, cerca de 100 milhões de reais. E se fossem de ouro, valiam 30 vezes mais…
Mais uma vez o propósito de Jesus não é estabelescer um valor de dívida, já que era praticamente impossível imaginar que um servo, mesmo um do mais elevado escalão, pudesse acumular uma dívida tão grande. O propósito ‘matemático’ era mostrar que a dívida era impagável. Assim, mesmo que o servo trabalhasse a vida inteira, ou fosse confiscada a familia inteira e as propriedades daquele servo, isso não dimiuiria em nada o valor da dívida. Mesmo assim, tocado pela piedade, aquele rei cancela toda a dívida e deixa o servo ir livre...
Esta é a primeira parte da história de Jesus.
Fica claro aqui que o rei na história representa Deus. E isso já é mais do que suficiente para aprendermos que o que recebemos dEle, a saber, o Perdão por nossa dívida pela transgressão da lei, é algo incalculável, e que, por isso não há no mundo o que possamos fazer para demonstrar gratidão por Deus não levar em conta nossa desobediência à sua lei.
Mas, como Pedro e nós gostamos de ser ‘matemáticos’ em tudo, inclusive no trato com os irmãos, Jesus continua sua história mostrando que, ‘se por um lado ele nos ama, do outro, nosso comportamento o enoja’ (PY – M.Graça);
Aquele servo perdoado encontra-se com um de seus subordinados, que lhe devia algum dinheiro; 100 denários. Um denário era o salário de um dia de trabalho do servo comum. 100 denários equivaleria, nos dias de hoje, a algo entre 3 e 4 mil reais. Valor considerável, mas insignificante perto do valor que havia sido perdoado.
E a história se inverte;
O servo que acabara de ser perdoado agarra aquele que lhe deve e exige o reembolso do valor integral sem permitir sequer que o servo tenha um prazo razoável para saldar a dívida. Como não tem o dinheiro, o devedor é levado para a prisão.
Não é preciso ser ‘matemático’ para entender que aquele que fora perdoado pelo rei demonstrou um comportamento que causa repulssa; uma revoltante ingratidão para com seu semelhante. E isso faz com que o rei volte atráz em sua decisão e o obriga a pagar por cada centavo, cada denário e cada talento de sua impagável dívida.
Se Deus é representado pelo rei, o servo que que foi incapaz de demonstrar misericórdia é uma personificação de nós mesmos... Assim, o recado de Jesus é simples e direto; “É isso o que o meu Pai, que está no céu, vai fazer com vocês se cada um não perdoar sinceramente o seu irmão” (Mt 18.35). Em outras palavras, ‘qualquer pessoa que é insensível e implacável em relação a seu semelhante, com isso nega e rejeita a graça e a misericórdia de Deus, e por isso sua dívida antiga é, novamente, debitada em sua conta’ (Kretzmann).
Alguém talvez sugira que a dívida do conservo (3 a 4 mil reais) poderia não ser lá uma dívida tão facilmente perdoável, afinal para quem recebe um salário mínimo por mês, são vários meses de trabalho... Sim, Deus sabe que perdoar o irmão ou a irmã não é tão facil assim... Mas ao pensarmos ‘matematicamente’, estamos caindo no mesmo erro de Pedro que achava que o perdão era limitado a um cálculo. A mensagem de Jesus é clara; ‘Se fossemos cobrados de maneira Justa, todos iríamos parar no inferno’.
‘Deus deseja muito ver nas pessoas o reflexo de sua própria imagem; Mas, quando muito, ele vê apenas pequenos fragmentos diluídos dessa imagem. Mesmo assim, Deus não pode e não vai desistir’ (PY). E isso deveria reger nossas atitudes. Deveriamos, humildemente, nos conscientizar de que ‘Deus já nos perdoou uma dívida do tamanho de uma montanha e que, ao lado dela, quaisquer erros pessoais contra nós se encolhem como formigas’ (PY), por maiores que pareçam aos nossos minusculos olhos ‘matemáticos’.
Pense bem; Nós mereciamos castigo pela nossa desobediência ao criador, e obtivemos perdão; Mereciamos a ira e recebemos amor; Mereciamos a cadeia do devedor e recebemos, em vez disso, uma ficha limpa; Mereciamos advertências severas e deviamos nos arrepender rastejando de joelhos, mas recebemos um banquete...
A Graça de Deus é assim porque a ‘matemática’ da graça não-merecida, diante de Deus, tem primazia (prioridade ablouta) sobre a ‘matemática’ dos merecimentos morais’ (Adapt de Miroslav Volf). Em outras Palavras, C.S Lewis resume; ‘Ser cristão significa perdoar o imperdoável, porque Deus perdoou o imperdoável em você’.
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